Encontrei essa entrevista há alguns dias. Não é recente. Mas feita com toda a competencência pelo jornalista Antonio Nahud Júnior. Abaixo transcrição da entrevista:
O diretor do nostálgico "Sedução" (Belle Époque), Oscar de melhor filme estrangeiro em 1992, roda uma esmerada produção numa Barcelona dos anos 40, "El Embrujo de Shanghai", que inicialmente iria dirigir Víctor Erice. A trama, baseada numa novela de Juan Marsé, conta a história de um adolescente, cujo pai desapareceu na guerra, que ao ouvir os contos fantásticos narrados pelo amante da vizinha, imagina-os através de referências cinematográficas, misturando aventuras povoadas por heróis, belas mulheres, nazistas e pistoleiros. No elenco numeroso, Ariadna Gil, Eduard Fernández e os veteranos Fernando Fernán Gómez e Rosa María Sardá.
Trueba, um diretor desigual, vem de dois filmes excelentes, "A Menina dos seus Olhos" (La Niña de Tus Ojos, 1998), onde Penélope Cruz tem o melhor papel de sua carreira, e o documentário musical "Calle 54" (2000). Antes, falhara com a norte-americana "Quero Dizer que te Amo" (Two Much,1996), com Antonio Bandeiras como protagonista.
Nascido em Madri, em 1955, foi crítico de cinema do jornal El País e fundador da revista especializada Casablanca, debutando no cinema com a comédia "Opera Prima" (1980). Fez também "Mientras el Cuerpo Aguante" (1982), "Sal Gorda" (1984), "Sé Infiel y no Mires com Quién" (1985), "El Año de lãs Luces" (1986) e "O Sonho do Macaco Louco" (The Mad Monkey,1989), com a inglesa Miranda Richardson. Simpático, cabelos compridos levemente grisalhos, no seu estúdio contou-nos da paixão pelo cinema, paixão quase irracional que o leva a ver muitas vezes três filmes no mesmo dia em salas de cinema. O estúdio está decorado com fotografias suas com Billy Wilder, seu diretor favorito, Coppola e Woody Allen, além de muitos livros de cinema e discos.
"El Embrujo de Shanghai" vem do título em espanhol do filme de Josef von Sternberg, Shanghai Gesture, de 1941. Só que o segundo é uma adaptação da obra teatral de John Colton e o seu vem das palavras de Juan Marsé. Mesmo assim é uma homenagem a Sternberg?
Não deixa de ser. A novela de Marsé transmite um encanto especial, é seu trabalho mais cinematogrográfico, desde o título que vem do filme de Sternberg que protagonizou Gene Tierney. Eu o admiro como novelista e ser humano, é o nosso Scott Fitzgerald. Na sua obra se encontra a melancolia e o tom duro do autor norte-americano.
O que o levou a filmá-lo?
Gosto de desafios e desafios é o que não falta na história. É um filme dentro de outro. Realidade e imaginação. A novela de Juan está cheia de linhas paralelas, de histórias entrelaçadas. É pura magia, algo como "As Mil e Uma Noites", a idéia de um garoto ouvir noites após noites várias histórias e imaginá-las como filmes da época dele, em preto e branco, e com seu pai como herói. Neste filme também posso mostrar uma certa forma de nostalgia, principalmente na recriação cenográfica. Mas o que mais gosto nele é que mostra a necessidade da imaginação para suportar a realidade.
É mais um filme de época na sua carreira. Por que não retrata o presente?
Não gosto de retratar a sociedade em que vivo. Não encontro aspectos na vida atual que tenha vontade de mostrar. Além do mais, é um mundo de objetos antiestéticos, como os computadores, os aviões, os carros e os celulares. Ficam bem para Andy Warhol, que tinha um gosto terrível. Com um filme de época posso mostrar o essencial sem me distrair com os acessórios.
Como resolve aceitar um projeto? Qual o seu processo de seleção?
Limito-me a seguir uma das poucas regras que acredito, filmar o que amo. Só faço filmes por razões pessoais, nunca objetivas. Meu filme anterior, "Calle 54", preocupou muita gente por tratar-se de um documentário musical, diziam que não tinha viabilidade comercial, mas eu filmei-o porque era um capricho meu e também por amar o jazz latino. Só filmo o que acredito. Deixo-me levar pela intuição. Li a novela de Juan Marsé, gostei muito, e procurei o produtor Andrés Vicente Gómez para saber se os direitos estavam disponíveis. Felizmente, sim.
Outra vez volta a trabalhar com Ariadna Gil, que faz dois personagens completamente diferentes na história. Por que ela?
Antes de começar a escrever o roteiro, pedi a Ariadna que lesse o livro e me avisasse se tinha interesse em filma-lo, pois sem ela não faria o filme. A sua presença é fundamental para os personagens de Anita, a mãe da menina, e da misteriosa chinesa Chen.
Seus filmes buscam quase sempre um humor sutil, inteligente. Gosta mais de comédia do que de outros gêneros?
As comédias são mais interessantes que os dramas, porque dão uma visão de um mundo mais tolerante e liberal. Pode-se usar também o humor banal, o louco, o negro . Aprendi mais da vida vendo filmes de Woody Allen do que lendo filosofia.
Allen é o seu diretor favorito?
Dos contemporâneos, é um dos favoritos. Outro é o italiano Nanni Moretti. Gosto de sua liberdade e sentido de humor. Caro Diário e Abril são extraordinários. Na verdade, Allen e Moretti conseguem resolver muito bem sua relação com o mundo atual, coisa que não posso.
"Quero Dizer que te Amo", uma das suas tentativas no cinema de Hollywood, não deu certo. O que aconteceu?
Deu certo em muitos países, mas nos Estados Unidos foi mal possivelmente porque a distribuição não foi bem cuidada. Mas tenho culpa no seu resultado artístico. Queria repetir uma certa maneira de filmar, à maneira de Lubitsch, Hawks e Wilder, que já não é possível. Talvez o cinema do passado seja irrepetível. Mesmo assim continuo fazendo minhas homenagens cinematográficas e sendo convidado para filmar em Hollywood.
Qual a finalidade do cinema?
A diversão e o prazer. Colonizar o cérebro, o coração e a memória. Que passe coisas que não resultem indiferentes e que as pessoas queiram recordar. Eu sou um apaixonado por filmes, vejo habitualmente 3 filmes ao dia em salas de cinema. É quase uma neurose.
(*) Antonio Nahud Júnior é jornalista, poeta e escritor. Natural de Itabuna (BA), reside atualmente na Cidade da Bahia. Além de "Artepalavra - Conversas no Velho Mundo" (AS Editores, 2002), é autor também de "O Aprendiz do Amor" (1993), "Retratos em Preto & Branco - Contos Góticos de Madri" (1996) e "Ficar Aqui Sem Ser Ouvido Por Ninguém" (1998).
Puxa, faz muito tempo que não leio essa entrevista... Creio que ainda vale a pena.
ResponderExcluirAbraços
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