Por Raquel Valadares.
“E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
“Se a via-crucis virou circo, estou aqui”
Fabrício Boliveira, o nosso João de Santo Cristo, entrou no
filme disposto a construir uma memória para sua personagem e, a partir de suas
lembranças - “porque nós somos o que vivemos” - agir e pensar como João.
Desde a preparação no Rio de Janeiro, até o laboratório em
Brasília, ambos orientados pelo preparador de elenco Sergio Penna, Fabrício, um
ator formado pela clássica faculdade de Artes Cênicas da Universidade Federal
da Bahia, deixou-se guiar pelo instinto e pela sincronicidade, absorvendo tudo
o que pudesse remeter a Santo Cristo e a Brasília, a cidade-tema de “Faroeste
Caboclo”.“O João é um desses nordestinos que foram construir Brasília, que
tiveram de se adaptar a uma outra vida, a um outro clima, a uma outra geografia
e se deixaram influenciar. Mas João não esquece sua história, não a apaga para
o futuro. Por isso foi tão importante transitar na feira dos nordestinos,
encontrar uma familiaridade nos objetos. Dialoguei muito com o diretor de arte,
Tiago Marques Teixeira, a respeito do que João traria consigo em sua bolsa.
Então escolhemos juntos a bolsa, eu pedi um canivete, um fumo de rolo, uma
palhinha, um santinho… Essa troca com a equipe, ver o que o outro pensou para
sua personagem é fascinante, enriquece muito o trabalho do ator. Quando vesti o
figurino pela primeira vez foi como se caísse uma ficha, ‘ah… É isso que
faltava, é por este caminho que eu vou”.
“João de Santo Cristo não faz parte do Plano-Piloto”. A história
narrada na canção de Renato Russo fala, segundo a visão do ator, da
intolerância ao diferente, ao “candango” pobre e marginalizado na cidade-ilha
da fantasia.
As tentativas frustradas de ser dono de sua própria
história, de começar o ano-novo como um rapaz trabalhador, constituir família,
parecem anunciar o desfecho trágico. E de fato é numa tragédia grega que
Fabrício se pautou para interpretar “Faroeste Caboclo”.
“Na canção, esse senhor de alta classe com dinheiro na mão
que um dia bate à porta com uma proposta indecorosa ele diz ‘Você perdeu sua
vida meu irmão’… Para mim esse senhor é o oráculo e João, que não consegue
tirar essas palavras do coração, luta para fugir do próprio destino. Então que
personagem é esse que já tem a vida escrita e ainda assim tenta escrever a sua
história?”aroeste Caboclo” é a quarta experiência de Fabrício no cinema. O
ator, que estreou em “A Máquina” de João Falcão e participou de “Tropa de Elite
2″, diz que a
cada filme ele “zera” tudo, para embarcar na história de sua personagem,
mas que a cada nova cena ele se percebe mais sintonizado com o funcionamento de
um set de filmagem, com o trabalho da equipe e com o próprio aparato
cinematográfico.
“Eu sinto a luz no meu olho, eu percebo onde está a câmera e
jogo com ela. É muito legal descobrir o olho que está por trás da câmera, que é
a extensão do pensamento e do olhar de uma pessoa, no caso de “Faroeste
Caboclo”, do [Gustavo] Hadba, o diretor de fotografia. Ou então me deixar
dirigir pelo René [Sampaio], entender o que ele quer e poder trocar, conversar
sobre o caminho da personagem. Porque a gente faz uma cena e sai pensando como
é que a cena cola lá na frente e se não tiver o diretor ali, para dividir isso
com você, o trabalho fica muito solitário”.
Fabrício jamais ficou solitário em “Faroeste Caboclo”.
Simplesmente toda a equipe vinha ampará-lo, paparicá-lo. Na festa de despedida
das filmagens ele era a pessoa mais afagada e cumprimentada. Para nós ele era o
nosso Batman, a grande estrela. Afinal ele foi João de Santo Cristo de
“Faroeste Caboclo”, o protagonista de uma saga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário