Cinema Latino

terça-feira, 11 de outubro de 2011

'A pele que habito', de Pedro Almodóvar, abre o Festival do Rio 2011


Jornal do Brasil

Gabriel Medeiros


O que significa ser genial no cinema contemporâneo? No caso específico de dois grandes cineastas do nosso tempo, Quentin Tarantino e Pedro Almodóvar, a criação de uma obra-prima passa pelo processo de construção de um sistema de referências (filmes vistos, livros lidos, situações vividas, etc.), que precisa ser desconstruído, misturado e reinventado para que algo novo possa nascer de coisas que já foram utilizadas antes. No caso do cineasta espanhol, a mescla de gêneros, que podem ir do filme noir ao melodrama, da comédia escrachada à ficção científica, tudo isso em um mesmo filme (ou, até mesmo, em uma única cena!), sempre foi sua marca registrada. Em A Pele que Habito, que invade as telas do festival do Rio 2011, temos a oportunidade e o privilégio de observar a maestria do diretor em controlar essa salada de gêneros, em mais uma trama de complexidade única, que já nos acostumamos a ver em grandes filmes como Fale com ela (2002)  e Má educação(2004).
Em 'A pele que habito', por trás da complexa trama, Almodóvar traz ainda uma complexa discussãoEm 'A pele que habito', por trás da complexa trama, Almodóvar traz ainda uma complexa discussão.
A história se passa no sugestivo ano de 2012 (seria uma ironia colocar sua história futurista tão próxima do nosso tempo?), e traz o impecável Antonio Banderas como o bem-sucedido cirurgião plástico Richard Legrand que, após a trágica morte de sua esposa (que tem seu corpo completamente incinerado em um acidente), parte em busca de uma “pele perfeita”, que poderia tê-la salvado. Sem limites em sua insaciável busca, Richard é capaz de tudo para tentar reescrever a história e evitar o inevitável.
A verdade é que qualquer resenha sobre a nova película de Almodóvar seria redutível em relação à grandiosidade da obra. O diretor vai e volta no tempo e constrói a história de forma que nossas emoções fiquem sempre suspensas, na espera do que pode acontecer no momento seguinte. E as reviravoltas não param em nenhum momento da trama.
Antonio Banderas como o bem-sucedido cirurgião plástico Richard LegrandAntonio Banderas como o bem-sucedido cirurgião plástico Richard Legrand.
O diretor francês François Truffaut disse uma vez que o diretor de cinema era o único que não podia se queixar de nada, pois, independente do que fizesse, o filme teria a sua marca no final. Almodóvar tem a consciência disso e sabe a responsabilidade que sua posição traz.  Ele tem o controle perfeito sobre o tempo cinematográfico, sobre o espaço cênico e sobre o que seus atores têm a oferecer. Com isso, cria momentos de sensibilidade ímpar. A mescla de sentimentos opostos e de gêneros completamente diferentes em uma mesma cena é a maneira que Almodóvar tem de mostrar a sua visão sobre a vida, em que tragédia, comédia e melodrama digno de novela mexicana estão sempre misturados, com limites muito mal-estabelecidos entre eles.

Em A pele que habito, por trás da complexa trama, Almodóvar traz ainda uma complexa discussão. Na busca do homem pelo controle sobre a vida, na tentativa eternamente frustrada de evitar a morte e alcançar a eternidade, vimos nossas ciências e tecnologias chegarem a níveis extremos de evolução. E se, nessa busca, tivermos a chance de enfim darmos à luz a esse “super-homem”? Quais são os limites que estaremos dispostos a ultrapassar e os sacrifícios que estaremos dispostos a fazer? A última fala do filme pode ser, talvez, um sopro desesperado para que se veja a humanidade por trás de toda a “perfeição” técnica. A superficialidade dessa última não pode se sobrepor à intensidade da primeira.

Com seu ensaio sobre amor, ódio, vingança e busca pelo inalcançável, Pedro Almodóvar nos brinda com mais uma pérola de seu cinema único. Um filme imperdível.

Cotação: **** (Excelente)

Fonte: Jornal do Brasil

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