Cinema Latino

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Carmen Miranda com Som de Hoje

por Ruy Castro

Quando Carmen Miranda entrou em um estúdio para gravar pela primeira vez, em dezembro de 1929, tinha 20 aninhos de idade. A gravação elétrica tinha dois. Ou seja, as duas estavam começando. Como em tudo que lhe aconteceria a partir daí, Carmen estava no lugar certo e na hora certa.
Sob o processo de gravação mecânica que, no Brasil, vigorara até 1927, talvez não tivesse havido Carmen Miranda - nele, as vozes e os instrumentos eram captados por uma espécie de megafone, e seus impulsos, impressos diretamente na cera. Nesse processo (acredite ou não, ultra-acústico), cantava “melhor” quem cantava mais alto - donde os artistas mais populares eram os cantores líricos, os detentores das grandes vozes.
Com a gravação eletro-magnética, tudo mudou: o microfone captava a voz e a transformava em impulsos elétricos, que permitiam amplificá-la de modo a não ser preciso gritar para sair no disco. E não importava o tamanho da voz - o microfone pegava tudo.

No Brasil, dois cantores foram os primeiros a se beneficiar da inovação: Mario Reis, em 1928, e, um ano depois, Carmen Miranda. Mas não me entenda mal. Como Mario e Carmen demonstraram à perfeição, o microfone era um aliado do grande cantor, não um álibi para o não-cantor. Ele não viera para dar voz a quem não tinha – mas para valorizar o timbre, a afinação, o ritmo e, principalmente, a bossa de quem tinha. E bossa era o que não faltava a Mario e Carmen.
Com a diferença de que o fino e chique Mario parecia tímido e inseguro no começo e Carmen, menina da Lapa, logo de saída demonstrou um à-vontade, um domínio e um humor, como cantora, que só podia ter explicação no sobrenatural.
Aquele primeiro disco (um 78 r.p.m., com uma música de cada lado) fora gravado na Brunswick. Mas esta não soube avaliar o que tinha em mãos e deixou que Carmen lhe escapasse e assinasse contrato com a Victor, onde estourou de saída com duas marchinhas para o Carnaval de 1930: “Iaiá, ioiô”, de seu mentor Josué de Barros, e a consagradora “(Taí) Pra você gostar de mim”, de Joubert de Carvalho. Seguiram-se anos de estrondo no selo do cachorrinho, em que Carmen se tornou a grande personalidade feminina da cena nacional, até que, em 1935, na maior transação da música brasileira, ela se passou para a Odeon. E, por incrível que pareça, teve ali uma carreira maior ainda. São deste selo, de “Adeus batucada”, de Synval Sylva, em 1935, até “Recenseamento”, de Assis Valente, em 1940, as matrizes remixadas acusticamente por Henrique Cazes em Carmen Miranda hoje.

Naqueles cinco anos, Carmen consolidou sua posição de principal nome do disco e do rádio no Brasil, tornou-se a maior atração dos nossos primeiros filmes musicais (com destaque para Alô, alô, Carnaval!, da Cinédia) e foi a primeira cantora brasileira a se apresentar e ter contrato fixo com um cassino (no caso, o da Urca), abrindo o caminho para todas as outras (até então os cassinos só queriam saber de atrações estrangeiras). Nossa dívida para com Carmen já era enorme, impagável - antes que, em maio de 1939, ela partisse para Nova York, contratada por um empresário da Broadway, para estourar também no mercado americano.
Mas, nos Estados Unidos, o estouro de Carmen foi de outra ordem. Impossibilitada de levar com ela seu principal instrumento – o domínio da língua portuguesa, que lhe permitia transformar sambas como “...E o mundo não se acabou”, “Uva de caminhão” ou “O samba e o tango” em obras-primas –, ela teve de se valer mais de seu gestual, expressões, indumentária e graça. A cantora ficou em segundo plano, ofuscada pelo brilho de sua personalidade, dos adereços e das alegorias.
Mas não entre nós. A “nossa” Carmen pode dispensar as bananas e ser, apenas e simplesmente, a cantora que inventou tudo e da qual todos os cantores de bossa brasileiros são devedores. Talvez por muito tempo esta dívida tenha ficado obscurecida pela qualidade técnica das gravações originais – perfeita para sua época, mas precária para os ouvidos modernos –, que sufocava o acompanhamento em função do cantor ou vice-versa. E ela própria, falecida em 1955, nunca pôde regravar seus sucessos com técnicas mais avançadas, como tantos fizeram.
Este remix por Henrique Cazes nos traz Carmen de volta, mas com uma sonoridade de hoje. Como se aquele fabuloso acompanhamento que veste a sua voz – ambos finalmente equilibrados – tivesse sido gravado outro dia. O que, na verdade, foi.



01-Uva de caminhão 21/3/1939
Autor: Assis Valente
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: IRMAOS VITALE


02-Gente bamba 20/3/1937
Autor: Synval Silva
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: IRMAOS VITALE


03-...E o mundo não se acabou 9/3/1938
Autor: Assis Valente
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: Irmãos Vitale


04-Alô, alô, carnaval 18/1/1936
Autor: Hervel Cordovil / Janeiro Ramos
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: Irmãos Vitale
(registro original - Allo allo carnaval)


05-O que é que a bahiana tem 27/2/1939
Autor: Dorival Caymmi
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: Mangione


06-Essa cabrocha 18/4/1939
Autor: Portello Juno / J. Portella
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: IRMAOS VITALE


07-Eu dei... 21/9/1937
Autor: Ary Barroso
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: IRMAOS VITALE


08-O samba e o tango 24/2/1937
Autor: Amado Regis
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: Irmãos Vitale


09-No tabuleiro da baiana 29/9/1936
Autor: Ary Barroso
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: IRMAOS VITALE


10-Adeus batucada 24/9/1935
Autor: Synval Silva
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: IRMAOS VITALE


11-Minha terra tem palmeiras 30/11/1936
Autor: João de Barro - Alberto Ribeiro
Intérprete: Carmen Miranda
Editora: IRMAOS VITALE

FICHA TÉCNICA
Produzido por
Ruy Castro & Henrique Cazes
Fotos: arquivo de Ruy Castro
Fotos músicos: Arquivo de Herique Cazes
Músicos:
Henrique Cazes:
cavaquinho, violão e violão tenor
Luís Filipe de Lima: violão de 7 cordas
Beto Cazes: percussão
Dirceu Leite: flauta, flautim, clarone e sax tenor
Ovídio Brito: cuíca
Edições e arranjos adicionais: Henrique Cazes
Arranjos de percussão: Beto Cazes
Gravado e mixado por Alexandre Reis no estúdio ECOSOM,
Rio de Janeiro, em outubro e novembro de 2009
Design gráfico: Ruth Freihof Passaredo Design
Designer assistente: Christiane Krämer
Masterizado por Luigi Hoffer
Assistente de produção: Ítalo Amaral


Faixas Bônus:
“Meu Querido Adão” gentilmente cedida por Cinédia produções cinematográficas*
“Entrevista Ruy Castro e Henrique Cazes” edição por André Monteiro*
*A vizualização das faixas bônus só é possível em computador.
Uma Realização Biscoito Fino
Direção Geral: Kati Almeida Braga
Direção Artística: Olivia Hime
Coordenação de Produção: Joana Hime


Post retirado do blog http://blogln.ning.com



PS. Aguardando a venda do CD.


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