Cinema Latino

sábado, 18 de abril de 2009

"Tony Manero", filme chileno da temporada


A reportagem a seguir, retirei do site do Jornal O Estadão. Sempre que posto algo que não foi escrito por mim cito a fonte. Me chamou atenção o comentário do filme e gostaria de compartilhar:


Os embalos no Chile de Pinochet
O diretor Pablo Larraín fala do vazio humano que expressa em Tony Manero

Luiz Carlos Merten

Tudo começou com uma imagem, que o diretor chileno Pablo Larraín descobriu num livro de fotografias que folheava, por acaso, num museu na Espanha. Ele ficou tão impressionado que comprou o livro e, de volta ao Chile, mostrou a foto a seu amigo, o ator e diretor de teatro e TV Alfredo Castro. Um homem nu numa janela, o olhar vazio, mais do que perdido. Uma imagem de abandono, de vazio. Intrigados pelo enigma, Larraín e Castro começaram a construir uma história. Foi assim que chegaram a Tony Manero.


Somos todos latino-americanos, mas não é só a barreira da língua que separa o Brasil da América nuestra. Raras são as possibilidades de integração que se oferecem. Este é justamente um destes momentos especiais. Um evento que vai até dia 19 em diferentes unidades do Sesc, está revelando a cena chilena para os espectadores paulistanos. São grupos de teatros que vieram apresentar seus espetáculos. O sucesso da empreitada pode ampliar a janela, que pretende trazer grupos de toda a América Latina à cidade. A essa explosão teatral chilena em São Paulo se somou a estreia, ontem, de Tony Manero. O longa de Larraín estreou mundialmente no Festival de Cannes, no ano passado. Teve críticas ótimas - Cahiers du Cinéma, Libé, Le Monde. Revistas e jornais colocaram o filme nas nuvens.
Tony Manero estreou no Chile em agosto. Dividiu público e crítica. Larraín, numa entrevista por telefone, de Santiago, considera o fato positivo. "Ninguém ficou indiferente, é o mais importante. E a divisão é expressão do que trata o filme, que é a divisão da própria sociedade chilena em relação à herança do golpe militar de Pinochet." Em conversa com o diretor, o repórter explica que visitou o Chile em 1973, pouco antes do golpe que depôs o governo constitucional de Salvador Allende, e voltou há um par de anos, pouco mais, no alvorecer da era Michelle Bachelet, que colocou uma socialista na presidência do país. Larraín se regozija - "Então, você tem condições de entender tudo. Nosso filme se situa após o golpe, em 1978, quando se começa a construir o país que o Chile é hoje. Foi uma construção brutal, sangrenta. Tony Manero é sobre isso."
O filme tem o nome do personagem interpretado por Alfredo Castro. Aproveitando o fato de que São Paulo é palco de uma manifestação teatral do Chile, Larraín acrescenta, para contextualizar, que Castro é uma das figuras emblemáticas da cena de seu país, como o grupo que trouxe Sin Sangre à cidade. Tony Manero também é o nome do suburbano que John Travolta criou em Embalos de Sábado à Noite, o megassucesso de John Badham que, exatamente em 1978, há 31 anos, deflagrou a onda das discotecas ao redor do mundo. Travolta/Manero pôs o mundo inteiro para dançar. No Brasil, houve até uma novela que ficou lendária, Dancing Days, de Gilberto Braga, com Sônia Braga. O Chile, imerso nas feridas de uma das ditaduras mais violentas da história da América Latina, não escapou à tendência. Muitos chilenos se alienaram, dançando, até para fugir ao horror da realidade do país e ao desmonte das estruturas político-sindicais que transformaram o Chile de Pinochet em laboratório para as teorias dos papas do neoliberalismo econômico.
É disso que trata Tony Manero, mas Pablo Larraín o faz sem seguir o receituário do colonizado de Hollywood. O protagonista do filme, construído pelo diretor ao longo de dois anos de pesquisa com Alfredo Castro, é esse cinquentão que se obstina em imitar os trejeitos do herói de Travolta. Raul é seu nome e ele é a extensão final daquele homem desnudo e ausente que Larraín flagrou numa foto. Raul ataca estranhos sem motivos aparentes e, ao participar de um concurso de danças, aproveita o clima reinante no país de Pinochet para eliminar seus rivais.
"O filme é uma metáfora do que sucedeu no Chile. O tema é o vazio humano, o vazio ideológico que caracterizou a era Pinochet e é a herança terrível que ele nos deixou", diz o diretor. Pela banda de cá, há quem se queixe do roteiro, que não aprofundaria os meandros psicológicos do complexo personagem. A crítica é levada ao diretor, que comenta - "É uma leitura burguesa de um filme que pretende ser antiburguês. Acho bom que as pessoas se manifestem, no Chile ocorreu a mesma coisa, mas esse tipo de frase feita consegue ser mais vazio do que o vazio de que me acusam. E a verdade é que esse vazio não é meu nem do filme. É do personagem, que critico." A provocação do diretor - existem vazios intencionais, que o espectador de Tony Manero tem de preencher. "Isso aqui não é Hollywood, que serve o filme pronto, para que você não pense. Nosso convite não é para que o público dance com Raul. É para que pense com Tony Manero."


Serviço: Tony Manero (Chile/2008, 98 min.) - Drama. Dir. Pablo Larraín. 18 anos.


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